Respostas para perguntas mais freqüentes sobre
Taxonomia, Sistemática, Classificação e Nomenclatura
Zoológica, com exemplos em moluscos
Como se constrói um cladograma?
Hennig levou em conta que os caracteres se transformam ao longo dos tempos,
devido à evolução biológica. Portanto, determinado
caráter pode se apresentar de maneiras diversas em diferentes ramos
evolutivos. São os chamados estados do caráter. Por exemplo
(
Fig. 1
), o caráter forma do espinho pode se manifestar como espinho liso
ou espinho denteado (estado a e estado b, respectivamente). O estado b pode
ter se originado a partir de a, ou vice-versa. Se soubermos em que sentido
se deu a transformação (a para b, ou b para a), o caráter
pode ser considerado polarizado, ou seja, passa a ser conhecido qual o estado
primitivo (plesiomórfico) e qual o estado derivado (apomórfico).
FIG 1. Caráter 1 “forma do espinho”,
com dois estados, (a) espinho liso, (b) espinho denteado.
FIG. 2. Polarização dos estados
de um caráter, segundo o método do grupo externo; X, Y e Z,
grupos externos; A + B+C, grupo interno.
FIG 3. Duas possibilidades existentes de polarização
dos estados do caráter 1, segundo a distribuição apresentada
no cladograma da fig. 2. A hipótese mais parcimoniosa é a (1),
pois implica em apenas um passo evolutivo (explicação no texto).
Para determinar a condição do
estado do caráter, Hennig considerou ser fundamental verificar como
o caráter no grupo que está sendo estudado (grupo interno) se
manifesta nos táxons proximamente relacionados (grupos externos). A
decisão é baseada no princípio de parcimônia, ou
seja, utiliza-se a hipótese mais simples, aquela que requer menos passos
evolutivos. No exemplo acima, se nos grupos externos for observada a existência
de espinho liso, fica evidente que esse é o estado primitivo: a condição
espinho liso (grupos externos e grupo interno) teria de passar para espinho
denteado (grupo interno). Portanto observa-se um passo evolutivo. A outra
possibilidade seria menos parcimoniosa, pois implicaria que o estado primitivo,
espinho denteado, teria que passar para espinho liso (nos grupos externo e
interno) e para espinho denteado (no grupo interno). Portanto, dois passos
evolutivos. Na prática, o estado do caráter que estiver presente
tanto no grupo interno, quanto no externo, é considerado como condição
ancestral (plesiomórfica), a partir da qual a nova condição
derivada (apomórfica) originou-se.
Uma vez que os estados dos caracteres estejam
polarizados (ou seja, definiu-se se são plesiomórficos
ou apomórficos), pode ser construída a matriz mostrando a distribuição
dos estados dos caracteres nos diferentes táxons (
fig. 4
). Os táxons serão agrupados exclusivamente com base no compartilhamento
de estados apomórficos (sinapomorfias). Tais grupos baseados em sinapomorfias
são denominados monofiléticos, e podem ser utilizados
na classificação. Grupos merofiléticos (não-monofiléticos),
baseados em plesiomorfias ou homoplasias, não podem ser utilizados
nas classificações da Escola Filogenética. A hipótese
mais parcimoniosa será aceita, enquanto que as demais serão
rejeitadas. As incongruências constatadas serão consideradas
homoplasias (
fig. 5
, caráter 7).
Homoplasias ocorrem quando o estado derivado se origina, a partir do
primitivo, mais de uma vez, independentemente (convergência), ou quando
o estado derivado sofre nova modificação, para uma situação
semelhante ao estado anterior (reversão). Como exemplo de convergência
podemos citar a existência de conchas pateliformes (em forma de chapéu
chinês) em espécies de famílias com parentesco distante,
como Acmaeidae e Siphonariidae. Como exemplo de reversão, temos a redução
ou perda das conchas em vários moluscos com parentesco distante, como
lesmas terrestres, lesmas marinhas (nudibrânquios), lulas e polvos.
Apesar das semelhanças (conchas parecidas, ou conchas reduzidas ou
ausentes), os estados derivados tiveram origens independentes, a partir de
ancestrais distintos.
Para Hennig, os táxons utilizados para
a classificação não podem ser simplesmente agrupamentos
de conveniência, criados arbitrariamente. Devem ser “grupos naturais”,
que existem, possuem uma origem a partir de processos naturais, e podem ser
descobertos. As novidades evolutivas (apomorfias) são os marcadores
dos processos evolutivos anagenéticos (processos evolutivos que alteram
as características morfológicas dos organismos, como as mutações)
e cladogenéticos (processos evolutivos que causam a divisão
de uma linhagem em dois ou mais ramos descendentes, como as barreiras geográficas).
Portanto, somente os agrupamentos cuja realidade histórica seja suportada
pela observação de pelo menos um caráter no estado derivado
(grupos monofiléticos), podem ser utilizados para a classificação.
Antes de Hennig admitia-se que as espécies
poderiam ser primitivas ou derivadas, podendo ocorrer espécies intermediárias
(algumas dessas espécies seriam os famosos “elos perdidos”).
O mesmo valia para táxons supra-específicos. Entretanto, para
Hennig os conceitos de “primitivo” e “derivado” (plesiomórfico
e apomórfico) só devem ser aplicados para os caracteres, e não
para os táxons onde ocorrem. As espécies apresentam um mosaico
de características, algumas ocorrendo na condição plesiomórfica,
outras na apomórfica, além das homoplasias, resultantes das
convergências e reversões. Portanto, não existem espécies
“primitivas” ou táxons “primitivos”.
A teoria de Hennig foi aperfeiçoada
e ampliada por autores subseqüentes, graças aos avanços
nos fundamentos teóricos e às melhorias da computação.
Em relação à polarização dos caracteres
e à parcimônia, o progresso foi muito grande. Foram desenvolvidos
vários programas de computador para elaborar as árvores filogenéticas
e para verificar as modificações de cada caráter. Mais
recentemente, métodos moleculares foram desenvolvidos, possibilitando
o conhecimento da filogenia ao nível dos genes, e são utilizados
em escala crescente. Assim, dispomos atualmente de uma metodologia capaz de
formular hipóteses testáveis de parentesco, com base no exame
de grande número de características de espécies atuais
e fósseis.
TÁXON/CARÁTER |
A |
B |
C |
1 |
1 |
1 |
1 |
2 |
0 |
1 |
1 |
3 |
0 |
0 |
1 |
4 |
0 |
1 |
0 |
5 |
1 |
0 |
0 |
6 |
0 |
0 |
1 |
7 |
1 |
0 |
1 |
8 |
0 |
1 |
1 |
FIG. 4. Matriz de distribuição
dos estados dos caracteres 1 a 8, nos táxons A, B e C. Estados plesiomórfico
(0) e apomórfico (1).
FIG. 5. Dois cladogramas originados a partir
dos dados apresentados na matriz da
fig.3
: (a) hipótese mais parcimoniosa, com uma homoplasia (9 passos); (b)
hipótese menos parcimoniosa, com duas homoplasias (10 passos). Estados
sublinhados são homoplasias.
Qual a importância das categorias e táxons para a sistemática
filogenética?
Qualquer classificação biológica utiliza o conceito de
táxon: conjunto de organismos reunidos com base em uma definição
particular. Categoria é o nome associado a um determinado táxon
e que demonstra o nível de generalidade desse táxon em relação
aos demais, ou seja, a categoria exprime o grau hierárquico existente
entre os diferentes táxons. Uma vez que, de acordo com os códigos
de nomenclatura biológica, algumas categorias são consideradas
obrigatórias, elas são necessárias para formalizar qualquer
proposta de classificação, seja ela filogenética ou não.
Quais tipos de táxons não são aceitos pela sistemática
filogenética?
Táxons monofiléticos são aqueles cujos membros
compartilham um ancestral comum exclusivo, e podem ser justificados por apresentarem
características derivadas ou apomórficas (ver “como se
constrói um cladograma”,
fig. 2
, exs: XYZABC, Y ZABC, ZABC, ABC, X, Y, Z, A, B, C). Táxons parafiléticos
são aqueles nos quais falta um táxon monofilético para
torná-los monofiléticos, ou, segundo alguns autores, são
táxons baseados em plesiomorfias (exs,
fig.2
: XYZAB – para se tornar monofilético é preciso acresentar
C; XYABC – para se tornar monofilético é preciso acrescentar
Z; XYZ – para se tornar monofilético é preciso acrescentar
ABC). Táxons polifiléticos são aqueles nos quais faltam
dois ou mais táxons monofiléticos para torná-los monofiléticos,
ou, segundo alguns autores, são táxons baseados em homoplasias
(exs,
fig.2
: XYBC – para se tornar monofilético é preciso acrescentar
Z e A, XABC – para se tornar monofilético é preciso acrescentar
Y e Z; XZ, para s etornar monofilético é preciso acrescentar
Y e ABC).
A sistemática filogenética só aceita classificações
elaboradas com táxons monofiléticos, pois esses são
os grupos naturais que refletem as relações evolutivas. Táxons
parafiléticos ou polifiléticos não podem ser utilizados
em classificações filogenéticas.
O que é grupo-irmão?
Grupo-irmão é o grupo monofilético mais próximo
de outro grupo monofilético. Os dois grupos-irmãos compartilham
um ancestral comum exclusivo.
Em um cladograma, os pontos de onde divergem os ramos são denominados
nós Considerando-se o nó mais basal do cladograma da
fig.2
, temos dois grupos-irmãos, os grupos monofiléticos X
e YZABC; no nó seguinte, Y é grupo-irmão
de ZABC; finalmente, Z é grupo-irmão de ABC.
No nó correspondente ao grupo ABC, três terminais partem do mesmo
ponto (politomia), e nesse caso não existem grupos-irmãos evidentes.
Enquanto a politomia não for resolvida, podem ser consideradas três
possibilidades: A grupo-irmão de BC (e B grupo-irmão de C),
ou B grupo-irmão de AC (e A grupo-irmão de C), ou C grupo-irmão
de AB (e A grupo-irmão de B).
Como se transforma um cladograma em uma classificação?
Na classificação filogenética, os táxons
nomeados baseiam-se no padrão da história evolutiva, expresso
pelo cladograma. Os agrupamentos hierárquicos evidenciados pela topologia
do cladograma devem ser expressos inequivocamente na classificação.
Isso implica em que, dada uma classificação, deve ser possível
recuperar a topologia do respectivo cladograma original. Para elaborar classificações,
só são utilizados táxons monofiléticos,
mas podem ser utilizados procedimentos de subordinação,
de seqüenciação ou mistos.
No procedimento por subordinação, cada grupo-irmão
existente no cladograma recebe categoria de mesmo nível hierárquico.
No procedimento por seqüenciação, uma sequência
de táxons do cladograma pode receber a mesma categoria associada. Cada
procedimento tem vantagens e desvantagens (entre outras, número maior
ou menor de categorias que devem ser empregadas e memorizadas, número
de táxons que recebem nome, necessidade do uso de maior número
de convenções, e ocorrência de táxons redundantes
– ver abaixo). Na prática, se utiliza o procedimento misto (parte
subordinação e parte seqüenciação).
Existem algumas convenções que devem ser adotadas para se transformar
um cladograma em classificação. Cumpre destacar as seguintes.
- Algumas categorias são obrigatórias: filo,
classe, ordem, família, gênero e espécie.
- Categorias obrigatórias devem ser empregadas, mesmo quando esse
uso resultar em táxons redundantes, ou seja, o quando o mesmo
táxon recebe, sucessivamente, categorias diferentes. No exemplo abaixo
de classificação por subordinação, ordem X, família
X e gênero X correspondem ao mesmo táxon X, com uma única
definição, mas que está associado a três categorias
distintas. Nesse exemplo, essas três categorias devem ser utilizadas
por obrigatoriedade do código, não havendo nenhuma informação
biológica adicional, correspondente a cada categoria.
- No sistema por seqüenciação, o táxon mais basal
do cladograma é citado primeiro, e assim por diante.
- Sedis mutabilis. No sistema por subordinação,
possíveis politomias ficam evidentes, pois mais de dois táxons
terão a mesma categoria associada (ex. abaixo, gêneros A, B e
C). Isso não acontece no procedimento por seqüenciação,
no qual vários táxons podem apresentar a mesma categoria associada.
Para evidenciar a politomia, acrescentam-se aos táxons correspondentes
o termo latino sedis mutabilis, que indica que novas evidências
podem alterar a sequência adotada.
Vamos considerar o cladograma da
fig.2
, supor cada terminal como gênero, e propor classificações
por seqüenciação e por subordinação.
Classificação
por Subordinação
Vamos associar ao táxon XYZABC a categoria classe
classe XYZABC |
ordem X
|
família X
|
gênero X
|
ordem YZABC
|
família Y
|
gênero Y
|
família ZABC
|
subfamília Z
|
gênero Z
|
subfamília ABC
|
gênero A
gênero B
gênero C
|
Classificação
por Sequenciação
Vamos associar ao táxon XYZABC a categoria família, para evitar
o uso de táxons redundantes.
família XYZABC
|
gênero X
gênero Y
gênero Z
gênero A, sedis mutabilis
gênero B, sedis mutabilis
gênero C, sedis mutabilis
|
Deve ser observado que, nos dois casos, com
o auxílio das convenções adotadas, a topologia do cladograma
original pode ser recuperada, a partir da classificação. Na
classificação por seqüenciação, o gênero
X é grupo-irmão do que segue abaixo; a seguir, Y é grupo-irmão
do restante; Z é grupo-irmão de ABC; e, finalmente, o uso de
sedis mutabilis indica a politomia de ABC. Na classificação
por subordinação, todos os grupos-irmão estão
explicitamente indicados, e a existência de três táxons
com mesma categoria associada já é uma indicação
de que se trata de uma politomia.
Só existe uma classificação possível a partir
de um cladograma?
Não. Vamos considerar os seis terminais da
fig.2
como espécies. Podemos ter as seguintes classificações
possíveis e metodologicamente corretas, de acordo com a sistemática
filogenética:
- Um gênero: gênero XYZABC, com
seis espécies
- Dois gêneros: gênero X com uma
espécie, e gênero YZABC, com cinco espécies
- Três gêneros: gênero X
com uma espécie, gênero Y com uma espécie, e gênero
ZABC com quatro espécies
- Quatro gêneros: gênero X com
uma espécie, gênero Y com uma espécie, gênero Z
com uma espécie, e gênero ABC com três espécies.
- Seis gêneros, cada um com uma espécie:
gêneros X, Y, Z, A, B, C.
|
Observe que, de acordo com o cladograma da
fig.2
, não existe a possibilidade de se considerar cinco gêneros,
pois há uma politomia não resolvida (ABC). Não há
informação que permita propor os gêneros AB ou BC. Entretanto,
se considerarmos o cladograma da
fig.5a
, o gênero BC pode ser proposto, com duas espécies.
Além dessas seis possibilidades, nenhuma outra proposta é aceitável,
segundo a classificação filogenética. Por exemplo, os
gêneros XYZ, XY, AZB, seriam parafiléticos, e XZ e XABC polifiléticos,
e não são aceitáveis pois não possuem sustentação
filogenética.
A escolha fica sob a responsabilidade do sistemata que propõe a classificação,
e deve se basear na maior qualidade de informação biológica
associada aos táxons nomeados e com a menor utilização
de táxons redundantes. A pior opção, sem dúvida
alguma, seria utilizar seis gêneros, cada qual com uma espécie,
o que acarretaria a existência de seis táxons redundantes.
É possível representar um cladograma sem utilizar uma figura
ou uma classificação?
Sim, por meio de notação parentética. Cada grupo
monofilético existente no cladograma é representado por meio
de um par de parênteses. No cladograma da
fig.2
podemos reconhecer os seguintes grupos monofiléticos: XYZABC, YZABC,
ZABC, ABC, X, Y, Z, A, B, C. A representação do cladograma em
notação parentética será: (X(Y(Z(ABC))))
Recomenda-se iniciar pelo grupo mais interno (ABC) e incluir, sucessivamente
os grupos-irmãos (Z(ABC)), (Y(Z(ABC))), (X(Y(Z(ABC)))). Observe que
o número de parênteses que “abrem” é ígual
ao de parênteses que “fecham”, no caso quatro pares de parênteses.
Observe, também, que é possível reconstruir o cladograma
a partir da notação parentética, principiando-se, novamente,
pelo grupo mais interno (ABC).
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